28/03/2011

Marmelada de Banana

Fui criada à base de muita brincadeira e muito livro. Todo aniversário, todo Natal, era a mesma coisa: um brinquedo e uma coleção de livro. O que nunca era uma tortura, pelo contrário: era brinquedo em dobro. Lembro de torcer para a alfabetização chegar depressa para que eu pudesse ler meus livros sozinha e na hora em que bem entendesse (para alívio meu e de minha mãe, que não devia mais aguentar contar tantas histórias tantas vezes). 
Em uma dessas datas comemorativas (a essa altura eu já estava alfabetizada) chegou lá em casa a coleção completa de Monteiro Lobato. Lembro do dia como se fosse ontem. Aquela caixa de papelão enorme em cima da cama de meus pais e aquele cheiro de livro novo lá dentro. Cheiro de história da qual ainda não se sabe o final. Um dos melhores cheiros do mundo!
Tenho que confessar que primeiro veio o susto: eram quase vinte livros, enormes, azuis, capa dura, muitas e muitas páginas: e sem figuras. Não que eu lesse pelas figuras, meu fraco sempre foram as palavras. Mas aquilo simplesmente não correspondia à idéia que eu tinha do sítio do picapau amarelo, formada basicamente por alguns livrinhos com mini histórias e desenhos feitos de bonecos de massinha somados a alguns capítulos de especiais que passavam na Globo (eu era muito pequena para acompanhar a série quando foi ao ar, mas lembro de ter um fascínio inexplicável pela cuca).
Para minha grande alegria e deleite, o susto inicial não me deteve e eu mergulhei de cabeça naquela coleção, que começava com as reinações de Narizinho e as caçadas de Pedrinho. Aquilo era mais do que livro, mais que história, mais que fantasia: eram as minhas férias na fazenda, com meus primos, vistos através da lente mágica de uma criança. Era sonho em forma de papel. Férias com capa que podiam acontecer em qualquer intervalinho do dia que eu tirasse para ler. 
Depois os temas foram ficando mais complexos, sem que os livros deixassem de ser divertidos. Veio a aritmética da Emília e veio o país da gramática. Veio a mitologia grega com os seus doze trabalhos de Hércules. Veio Miguel de Cervantes com seu Dom Quixote de La Mancha. E pode apostar, veio muito, mas muito mais conhecimento que uma criança daquela idade absorveria de qualquer outra maneira e com tanto prazer. Maior prova disso é que eu (assim como você e quase todo mundo) já esqueci a maior parte do que me ensinaram na escola. Mas me pergunte sobre qualquer assunto que eu tenha aprendido nos livros do Sítio do Picapau Amarelo, de filosofia a astronomia. Resposta na ponta da língua, graças a uma boneca de pano falante e sua turma. E quando falo em sua turma, incluo um certo gênio chamado Monteiro Lobato, é claro. 

"- A vida da gente, senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem pára, chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso. É um dorme-e-acorda, dorme-e-acorda, até que dorme e não acorda mais.
[...] A vida das gentes neste mundo, senhor sabugo, é isso. Um rosário de piscadas. Cada pisco é um dia. Pisca e mama; pisca e anda; pisca e brinca; pisca e estuda; pisca e ama; pisca e cria filhos; pisca e geme os reumatismos; por fim pisca pela ultima vez e morre.
_ E depois que morre? – perguntou Visconde.
_ Depois que morre vira hipótese. É ou não é?"
(Memórias da Emília)

Por Paula Martins

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