27/04/2011

A vida é tão rara

Quando eu tinha uns 8 anos ficava impressionada com a capacidade que minha mãe tinha de dormir depois do almoço. Como era possível se ela tinha dormido a noite INTEIRA? Aquilo não entrava na minha cabeça. Eu queria sair, ir pro cinema, pra praia, pra vida e ela ali me pedindo 1 horinha. Para mim era 1 hora, 60 minutos, 3.600 longos segundos. Eu podia ler, assistir sessão da tarde, ir pro ballet, demorar horas montando a casa da Barbie (para em seguida cansar e desistir da brincadeira), ir pro inglês, pular elástico, brigar com a vizinha, fazer as pazes...chegava o Natal, mas não dava 8 da noite. E por minha mãe ela continuava dormindo enquanto eu cumpria minha saga de serotonina disfarçada de criança.

E tudo o que eu quero hoje é tempo...


Não, não quero mais horas! Tenho pavor de alguns bancos que oferecem 30 horas, ou seja, 6 horas plus para realizar transações que eu não consegui fazer nas 24 horas reais. Ainda não tenho meu próprio negócio e, proletária que sou, se ganhasse mais horas certamente estas virariam mais trabalho. Tá tudo errado.

Quero dormir sem culpa, me arrumar com capricho e tomar um vinho quarta a noite. Desejo ir ao parque com freqüência, aprender a andar de patins e me perder andando pelo bairro. Anseio por mais respeito, telefonemas que iniciem com um “oi, tudo bem, você PODE falar?” e menos urgências (quando tudo é urgente, nada é, de acordo?). Preciso acordar devagar, ler antes de dormir e comer com prazer. Quero cumprir meus rituais, da maneira como coloco o perfume até como me espreguiço, sem pressa. Pode ser?

Enquanto buscamos o equilíbrio entre deveres e satisfações (e aguardamos finalmente acertar na mega sena), o negócio é ir levando na manha, pois condições normais de temperatura e pressão só existem nos livros de Geografia.

Como uma coisa leva a outra, todo esse papo me lembrou uma conversa com meu pai em 1900 e guaraná de rolha. Pra variar estávamos no carro ouvindo música e rodando pelas ruas de Salvador, nosso programa favorito. Começou a tocar Oração ao Tempo, de Caetano. Ele me disse “quando vc tiver um filho vai entender a beleza da frase ‘és um senhor tão bonito, quanto a cara do meu filho, tempo, tempo, tempo, tempo...”. Pai, de filho eu ainda não entendo, mas valorizo cada milésimo de segundo desse senhor tão bonito.  
"De modo que o meu espírito
Ganhe um brilho definido
Tempo tempo tempo tempo
E eu espalhe benefícios
Tempo tempo tempo tempo..."


Bônus track: Paciência (Lenine)


"Enquanto o tempo 
Acelera e pede pressa
Eu me recuso faço hora, vou na valsa 
A vida é tão rara..."



Por Júlia Sobral

3 comentários:

  1. A música "Pé No Breque" fala bem sobre isso... "pé no breque, quebre o ritmo, puxe o freio de mão / take a break, take it easy, ouça a respiração..." Depois dê uma conferida no www.myspace.com/ilhadosaqui.

    PS: Preciso de um relógio desses... Muito legal o post.

    ResponderExcluir
  2. Julieta! Uau... ;-)

    ResponderExcluir
  3. Gosto muito :)

    ResponderExcluir